Cultivando a autogentileza
Jackeline Susann
As palavras têm poder, quer para expandir quer para reprimir a própria imagem...
Já parou para pensar sobre o que você diz sobre si para os/as outros/as? No seu íntimo, o que você pensa sobre si mesmo/a: sua inteligência, aparência, jeito de ser, escolhas, rotina, convivência, etc.?
Confesso que eu nunca tinha prestado atenção nisso. As palavras negativas que eu pensava e falava sobre mim saíam automáticas, como se fossem inofensivas. Por exemplo, um “que burra!” ao errar um caminho; um “sou tão incompetente” ao não entender uma explicação ou um “olha, como sou desastrada!” ao derrubar o café. O curioso é que se eu jamais usaria essas palavras com uma amiga ou um/a familiar por que era natural proferir esses termos comigo mesma? Do mesmo modo, se somos surpreendidos/as com essas frases direcionadas a um amigo ou mesmo desconhecido/a, nossa empatia emerge na sua defesa... No entanto, quando acontece contra nós mesmas/os, a agressão verbal soa quase que “normal”.
Só tive consciência sobre a falta de gentileza que eu tinha para comigo mesma quando uma amiga próxima ouviu e me alertou: “Por que você fala desse modo consigo?”. Foi como um choque de realidade. Aquela intervenção me acordou. Comecei a observar e percebi a frequência com que disparava palavras agressivas contra mim! Do mesmo modo, comecei a observar outras mulheres e notei que não era somente comigo que isso acontecia. Nos cafés, nos grupos de trabalho, nas conversas informais, identifiquei a mesma autodepreciação... É como um sussurro coletivo de insatisfação, uma linguagem internalizada que confundimos com humildade, raiva ou algo que até soa como senso de “humor”.
A fala da minha amiga foi o início de uma mudança silenciosa em minha vida. Aos poucos, substituí o “sou desorganizada” por “hoje a organização não foi meu forte”. Troquei o “odeio meu corpo” por “meu corpo me sustenta e merece meu respeito”. Iniciei, determinada, um treino constante, um ato diário de ser gentil comigo mesma. Comecei também a replicar o que aprendi: no trabalho, nas conversas informais, no dia a dia, passei a trazer, com gentileza, esse tema. O que me surpreendeu foi o olhar de espanto de muitas mulheres, um olhar familiar — era o mesmo sentimento que tive quando percebi que era preciso desarmar a crítica interna sempre pronta para atacar minha autoestima! Então, é necessário criar um espaço de segurança dentro de nós para transformar esta autocrítica agressiva em autoamor.
Por isso, meu convite a você, leitor/a do JORNALZEN é: que tal começar a ouvir a si mesma? Observe o que você diz sobre si no piloto automático. Que palavras você usa quando comete um pequeno erro? Não é sobre se vigiar com rigor, mas sobre se escutar com curiosidade, amorosidade e gentileza. E lembre-se sempre: o primeiro passo para mudar um hábito é tomar consciência dele...
Profa. Dra. Jackeline Susann Souza da Silva é pesquisadora com foco em relações de gênero e acessibilidade para pessoas com deficiência.
