Novas abordagens em saúde mental
Ligia Splendore
Você já ouviu falar do movimento Ouvidores de Vozes? Da abordagem Diálogo Aberto? Do movimento de Apoio Mútuo?
As novas abordagens em saúde mental ganham força mundialmente. Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou documento clamando por mudança radicais de paradigma nessa área, que deve ser baseada em autonomia, subjetividade, direitos humanos e na valorização da diversidade. Este ano, a OMS publicou o Guia de Diretrizes para a Saúde Mental, que orienta governos a reformar seus sistemas de saúde mental para incluir ações mais humanizadas, integrar estilo de vida, bem-estar psicológico, saúde física e fatores socioeconômicos.
Estima-se que entre 2% e 4% da população mundial ouve vozes do mundo invisível, as quais podem trazer conteúdos positivos, negativos, neutros ou ensinamentos. O movimento internacional Ouvidores de Vozes teve sua origem na Holanda, nos anos 80, e hoje existem grupos no Brasil e em vários países, espaços que oferecem apoio e estratégias práticas para a convivência com as vozes, sem patologizar a experiência, sem torná-la um transtorno mental. Então, ouvir vozes não é necessariamente um sintoma de transtorno mental. Nos dias 5 e 6 de dezembro acontece o V Congresso Online Internacional Ouvidores de Vozes, organizado pelo Centro Educacional de Novas Abordagens Terapêuticas (Cenat)
A abordagem transformadora Diálogo Aberto foi criada na Finlândia para situações de crises, especialmente psicóticas. A prioridade é a escuta profunda e a participação ativa da rede de apoio do indivíduo (família e/ou amigos), que evita a medicalização imediata porque, ao invés de focar no controle dos sintomas, a abordagem busca construir sentidos compartilhados e soluções colaborativas, cujos resultados mostram menor tempo de hospitalização e necessidade de medicação.
Na mesma linha, o movimento de Apoio Mútuo surge mundialmente como espaço horizontal e comunitário onde pessoas que vivem experiências extremas — como ouvir vozes, estados ampliados de consciência e crises psicoespirituais — se encontram entre iguais. Não há hierarquia entre profissionais e pacientes, pois o foco do apoio está no exercício da escuta ativa sem julgamentos, na validação da experiência e na construção coletiva de caminhos de cuidado que não dependem exclusivamente da medicalização. Todos são espaços que fortalecem a autonomia, a dignidade e corresponsabilidade, resgatando a potência humana por meio do encontro e da partilha.
Como um chamado de vida, minha atuação em saúde mental nos últimos 18 anos tem se materializado na criação e fortalecimento de iniciativas que adotam a perspectiva integral da Saúde Mental e acolhem experiências humanas, sejam quais forem, sem reduzi-las à doença. Um bom exemplo é o Grupo de Apoio Mútuo Repensando a Loucura, aberto e gratuito, onde os/as participantes compartilham e ressignificam suas histórias, descobrem sentidos novos para suas experiências e, naturalmente, abrem caminhos para a autotransformação, integração, protagonismo e cura. Compartilho a seguir a história da experienciadora Sophia que, em forma de poesia, representa o Repensando a Loucura que a ajudou a olhar para sua história desde uma nova perspectiva.
Apoio Mútuo
Corações unidos que criam um lugar sagrado,
Um lugar em que podemos ser quem somos,
Em que temos tempo e espaço prá nos integrar...
Pra voltar para casa dentro de nós mesmos.
Um lugar em que se cuidar não é um ato solitário
Que faz viva a lembrança de que é na relação
que nos encontramos de verdade e nos curamos.
Ligia Splendore é psicóloga transpessoal e criadora do movimento Repensando a Loucura.
