Professores são imprescindíveis?
May Guimarães Ferreira
Quem ensina aprende ao ensinar.
E quem aprende ensina ao aprender.
Paulo Freire
Outubro, mês da comemoração do Dia do Professor/a: 15 de outubro, data em que foi baixado o Decreto Imperial para criar as Escolas de Primeiras Letras em 1827, há quase 200 anos atras! A determinação de criar “escolas de ensino primário em todas as cidades, vilas e vilarejos” ficou apenas registrada no papel com assinatura de Dom Pedro I. Nada foi feito para realizar a letra da lei. E assim, de fracasso em fracasso, as crianças brasileiras oriundas das camadas majoritárias da população: indígenas, pobres, pretos, escravizados, etc. jamais tiveram escola digna no território nacional.
Tornei-me professora em 1973, ou seja, há 50 anos! Desde então, a maior parte desse tempo exerci o magistério em instituições públicas. Hoje, ainda professora, ensino nas áreas de Educação e Psicologia. Ao longo desses anos, foi preciso sólida resiliência para superar lutas para trabalhar bem apesar da falta de apoio institucional, foi inevitável ter que lidar com a escassez de recursos paralelamente ao desvio abusivo de verbas públicas, com os conflitos interpessoais nas escolas e o fracasso escolar cuja culpa tende a ser colocada nos ombros dos/as professoras/es.
Foi também preciso muita força interna para vencer o período de preparação acadêmica, o desânimo que batia e, sobretudo, a contínua falta de reconhecimento da importância e valor do/a professor/a. Com experiências semelhantes à minha, ainda hoje, alguns/as professores/as resilientes permanecem na luta pela qualidade da educação. Outros desistem e vão procurar trabalho em outra área. Há ainda os que adoecem... Dados oficiais mostram altos índices de problemas de saúde em professores, como exaustão emocional e transtornos mentais, com a ansiedade sendo um dos sintomas mais comuns, afetando 60,1% dos educadores pesquisados em 2022. Além disso, problemas musculoesqueléticos e burnout também aparecem como causas comuns de adoecimento, indicando a necessidade urgente de políticas públicas e apoio para a melhoria das condições de trabalho e saúde mental dos/as docentes.
Fui aluna do Paulo Freire na Unicamp e, com ele, aprendi o valor de ser professora. Em uma viagem recente pelo Brasil, duas escolas municipais me chamaram atenção no interior no Parque dos Lençóis Maranhenses: uma escola com o nome de Paulo Freire, na zona rural povoada por casebre de taipa cobertos com palha de buriti ou carnaúba e, a outra escola, na região mais central do estado, com vários cartazes citando frases de Paulo Freire. A quem devemos essa escolha pedagógica de homenagear “São Paulo Freire”? A resposta que me parece mais plausível é que o que vi é resultado do trabalho de professores/as imprescindíveis na zona rural abandonada pelas políticas públicas. Descobrir isso me faz feliz porque é um sinal de que a educação para a liberdade faz parte do cotidiano de milhares de professores e alunos/as. Por isso, mesmo depois de 50 anos, sinto esperança ao encontrar professores/as, que – apesar de tudo – ainda têm e cultivam o compromisso de socializar saberes.
Professores/as são muito valiosos, portanto, imprescindíveis ao processo de formação das novas gerações que devem ter acesso a informações, saberes sistematizados e acumulados das ciências, linguagens, filosofia e tecnologia de comunicação base da formação crítica. Para realizarem sua função social, os/as docentes precisam ter acesso a serviços de apoio, pelo SUS, à saúde em geral, mental, emocional e até mesmo espiritual, o que significa acesso a psicoterapia, terapias integrativas individuais e em grupo, terapia comunitária com técnicas de escuta do sofrimento psíquico bastante efetivas e a arteterapia que, por sua vez, permite ativar aspectos adormecidos de criatividade e do pensamento intuitivo. Sendo assim, fica clara a importância de cuidar da vida psíquica e mental, tanto quanto da saúde corporal de professores/as e, como consequência, cuidar dos/as estudantes também.
Profa. Dra. May Guimarães Ferreira é psicóloga, psicanalista e arteterapeuta
guimaraesferreiramay1@gmail.com
