Viver sem prender o coração

Windyz Ferreira

Você já reparou como a gente costuma se agarrar às coisas — pessoas, ideias, objetos, memórias — como se a vida dependesse disso? O ato de segurar é o oposto do desapego. Você se acha uma pessoa desapegada?

Na literatura científica, o desapego é entendido como a “capacidade de se relacionar com pessoas, emoções ou posses sem dependência emocional”. É a habilidade de, sem se desorganizar internamente, aceitar as mudanças. Richard Davidson da Universidade de Wisconsin-Madison, Mark Epstein, autor de Thoughts Without a Thinker, e Jon Kabat-Zinn, criador do Mindfulness-Based Stress Reduction, investigam o desapego como um pilar da saúde mental e do bem-estar. Estudos em psicologia positiva e neurociência mostram que pessoas com níveis mais altos de desapego tendem a apresentar menor estresse, mais estabilidade emocional e maior bem-estar subjetivo.

No budismo, o desapego (ou upekkha, em páli) não significa indiferença, mas liberdade. Por exemplo, é amar sem querer controlar, é ter sem precisar possuir, sem depender do que possui para se sentir bem. Buda ensinava que o sofrimento (dukkha) nasce do apego, isto é, da insistência em querer que as coisas sejam diferentes do que são. Por isso, quando deixamos as coisas passarem, sem nos apegarmos, exercitamos a aceitação e encontramos a paz porque o que você segura, te prende e o que você solta, te liberta. O desapego, então, é a capacidade de se relacionar com o mundo sem depender dele para ter paz interior. Não é se afastar da vida, mas viver com leveza, sem aprisionar o coração.

E é interessante notar que a ciência concorda com o Buda! Estudos em psicologia da mindfulness (estar presente no aqui e agora, não no passado, não no futuro) mostram que o desapego reduz a ansiedade, melhora o foco e fortalece a resiliência emocional. Da mesma forma, na saúde física, o desapego se reflete em menos tensão muscular, melhor sono e um sistema imunológico mais equilibrado. Em resumo: não ser apegado/a, soltar... let it be, como disse John Lennon, é saudável.

Você já parou para pensar que somos apegados ao sofrimento? E por que isso acontece? O cérebro humano prefere o conhecido ao incerto, mesmo que o conhecido doa. O apego ao sofrimento, portanto, é uma tentativa inconsciente de manter o controle sobre algo previsível, conhecido. Por isso, devemos nos perguntar sempre: sou eu que possuo “isso” ou é “isso” que me possui? Ao começar a questionar-se e perceber quem “possui quem” já é um passo para a libertação. E aqui deixo cinco dicas para praticar o desapego,

Doe algo: doe algo de valor simbólico para você (seu vestido especial, uma joia que não usa há muito tempo, uma bolsa que uma amiga que já fez a passagem lhe deu) não somente o que está sobrando. Comprou um sapato, doe um sapato...

Simplifique: menos é mais... Tenha menos coisas para ter menos ruído mental. O espaço físico limpo reflete um espaço interno em paz.

Agradeça antes de soltar: exercite a gratidão neste movimento em direção ao desapego. Assim, você fecha ciclos com autoamor, sem sofrer.

Lembre que tudo é impermanente: tudo é passageiro e tudo muda por isso, não apegar-se, aceitar o fluxo da vida, incluindo a dores e alegrias é libertador.

Desapegar-se significa ganhar: ao se desapegar de coisas, sofrimentos, alegrias, não significa perder algo, mas abrir espaço para o novo entrar e florescer na sua vida.

Ao desapegar-se você leve dentro de você o que cabe no seu coração e a confiança de que o essencial permanece, mesmo quando tudo muda. Então, respire fundo.


Solte o que já cumpriu o seu papel. E caminhe leve, porque o desapego não é o fim de nada — é o recomeço de tudo.


Profa. Dra. Windyz Ferreira é especializanda em Neurociências e professora de meditação.

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