ZENTREVISTA

MEMÓRIAS DA AMNÉSIA
Tom W. Kooper

Em um dia qualquer, Tom W. Kooper acordou e não lembrou de mais nada do que viveu nas últimas três décadas. Aos 50 anos, em 2019, o professor de matemática sofreu uma amnésia total que o deixou perdido. Foi quando encontrou na ficção uma saída para recuperar as lembranças esquecidas. Baseado nessa experiência, o escritor publicou um romance policial no qual ficcionaliza a própria história com uma boa dose de mistério. Tom W. Kooper é o pseudônimo desse carioca nascido em 1968. Pós-graduado em Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele, começou a escrever como forma de terapia e descobriu na escrita o prazer de criar e contar histórias. Foi assim que se reinventou e descobriu uma nova paixão. Hoje Tom se divide entre dar aulas e escrever. Nesta entrevista ao JORNALZEN, o autor conta como transformou o hobby da escrita em uma forma de resgatar a própria identidade. Ele também comenta sobre o impacto do trauma e como abordou isso no desenvolvimento da trama, trazendo para a ficção diversas reflexões existenciais. 

Como foi o processo de transformar uma experiência tão pessoal e desafiadora em uma narrativa ficcional? 

Quando eu decidi escrever Identidade, eu já havia escrito um livro de estreia e também havia recuperado uma boa parte das minhas memórias, o que facilitou na escrita desse segundo livro. Na época em que o escrevi, tinham se passado dois anos do ocorrido, e eu já compreendia melhor a minha situação, não havendo nenhuma dificuldade em abordá-la, mesmo de forma ficcional. 

 

Você acredita que sua experiência com a amnésia mudou sua perspectiva sobre a vida? Como?

Essa é uma pergunta difícil de responder, uma vez que eu não me recordo da forma como eu enxergava a vida. Posso afirmar que houve mudanças de gostos e comportamento, relatados pelas pessoas mais próximas a mim. Hoje eu me vejo como uma pessoa paciente, reflexiva, compreensiva, focada em viver o presente e aprender o máximo que posso sobre diversos assuntos. Apesar de ter sido um período difícil, sou grato pelo que me aconteceu, pois me proporcionou ser quem eu sou hoje e a valorizar mais as minhas conquistas, a minha vida e as pessoas que fazem parte dela. 

 

Você começou a escrever como uma forma de recuperar as memórias. Como isso contribuiu para você se recordar das lembranças? 

Usar a escrita como forma de terapia tinha como objetivo tirar o meu foco da busca pelas lembranças perdidas, pois estava me causando depressão e ansiedade. Foi a minha esposa que sugeriu que eu deixasse de escrever sobre o meu dia a dia pós-amnésia e contasse uma história de ficção, baseada em uma redação elogiada do meu ensino médio. Minhas memórias foram sendo recuperadas quando me submeti a sessões de hipnose. 

 

Como você desenvolveu a jornada interna do protagonista do livro e como a amnésia sofrida por ele afeta não apenas a percepção do mundo ao seu redor, mas também sua própria identidade e moralidade?

Com a amnésia, ele encontrou dificuldades nas relações pessoais e nas interações sociais, por não reconhecer as pessoas que faziam parte da sua vida pessoal e profissional, e por não saber se podia confiar no que lhe era dito. Apesar da perda de memória, o protagonista tinha uma noção do que era certo e errado, o que o levou a conflitos internos diante de descobertas de caráter questionável a respeito do seu passado e sobre as pessoas próximas.  

Particularmente, adota alguma prática voltada ao autoconhecimento?

Dentro de uma perspectiva subjetiva, a escrita dos meus livros e, sobretudo, a construção dos meus personagens viabilizam e desenvolvem conceitos internos, permitindo novas formas de pensar a respeito de quem sou agora, após a amnésia.

 

Como vê a proposta do JORNALZEN? 

A proposta de um veículo de nos transmitir informação com o intuito de promover formação e transformação é admirável e necessária, ainda mais em uma era onde somos bombardeados constantemente por informações rasas e desinformação.

Que mensagem gostaria de deixar para os nossos leitores? 

Nossa vida é muito frágil e, por isso, muito preciosa. A nossa história, a a nossa identidade é formada a partir de anos de experiências, de decisões certas e erradas. Perder todas as lembranças é desesperador, principalmente se você não sabe se vai recuperá-las, mas ao mesmo tempo, quando a mente silencia, é uma experiência reveladora, pois mesmo sem conhecimentos, sem crenças, sem referências, ainda nos restam valores intrínsecos à nossa vida e/ou à nossa personalidade mais básica.

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