O fim de uma era (declaração de amor ao jornal impresso)

Jorge Ribeiro Neto

O menino que teve o primeiro contato com o então sisudo Estadão, encantou-se pelo Jornal da Tarde e tinha verdadeira admiração pela Folha de S. Paulo chega aos 53 anos deparando, numa nebulosa manhã de domingo, com a temida mas esperada notícia: a mudança de formato da Folha para o padrão berliner, equivalente a um tabloide um pouco maior. O que é definido pelo jornal paulistano como uma evolução “para uma leitura ergonômica, dinâmica e com mais conteúdo” na verdade representa o fim de uma era (pelo menos em São Paulo): a dos “jornalões”, representados pelo tradicional formato standard ora em extinção.

É simbólico do momento de declínio da mídia impressa que os formatos sejam reduzidos. A constatada perda de prestígio da imprensa (em que pese sua indiscutível importância para a democracia e a cidadania), decorrente do advento das mídias digitais – particularmente, das redes sociais –, tornou inevitável a decisão, que tem muito a ver com a crise econômica das empresas de comunicação. A ponto de um jornal centenário como o Estadão – aumentativo pelo qual ficou conhecido após décadas e décadas veiculando volumosas edições (principalmente aos domingos) – tomar a dianteira e, algo até constrangedor, deixar de circular no formato standard que o marcava. 

Minha geração talvez seja a última a apreciar a leitura de um jornal impresso. Experiência inigualável, envolvendo pelo menos três dos cinco sentidos (tato, visão, olfato) – para alguns, até mesmo a audição, levando em conta o folhear das páginas –, numa época em que a imprensa escrita era a principal fonte de informação qualificada, formadora de opinião e disseminadora cultural. Hoje, nem tanto, mas ainda sim importante, desde que reinventada e ciente de seu papel ante a disseminação de informações desprovidas de checagem e apuração.

As chamadas fake news trazem um desafio ao jornalismo contemporâneo, na medida em que conseguem penetrar em camadas da sociedade marcadas pela ignorância (nos dois sentidos: comportamental e relacionado à falta de conhecimento). O advento de um campo político conservador, ressentido e irredutível, pouco afeito ao diálogo, reforça esse quadro preocupante. À velha e criticada imprensa cabe o resgate do seu verdadeiro papel, qual seja o de esclarecer e fazer valer o direito à informação de todo cidadão.

Os “jornalões” ora em extinção traziam essa perspectiva, ressalvado o noticiário por vezes enviesado. Daí a satisfação em ler vários deles, para extrair dessa diversidade um caldo informativo satisfatório. Sempre com o indispensável senso crítico. Aliado ao prazer intrínseco à leitura, faziam do ato de ir à banca (de jornal?) ou de recebê-los em casa, na qualidade de assinante, uma renovada satisfação. Até quando?

É verdade que os jornais impressos ainda existem, mas o que estamos a assistir é uma espécie de agonia em praça pública, retratada pelo fim de muitos deles ou pela redução no formato. Ler um jornal no formato standard é algo que só terei a oportunidade de fazer quando estiver em determinadas localidades ou fora do país. Portanto, aquele menino que teve a inigualável sensação de pegar, cheirar e ler um jornal daquele tamanho; e depois, por décadas, comprá-lo ou o recebê-lo em casa; hoje, aos 53 anos, fê-lo, provavelmente, pela última vez. Com lágrimas nos olhos.

Jorge Ribeiro Neto, jornalista, é editor do JORNALZEN

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