Autocuidado sem barreiras

Jackeline Susann

No dia a dia, o autocuidado está relacionado a momentos consigo, como desfrutar um café tranquilo pela manhã, realizar uma caminhada no parque, tomar um banho demorado, ler um bom livro ou a simples escolha de uma música para deixar o dia mais leve. Mas e se você fosse impedida/o de realizar situações rotineiras devido à presença de barreiras?

Imagine querer tomar um café na praça, mas não conseguir chegar até o local porque há degraus. Imagine querer ler um livro e não encontrar um formato acessível. Imagine querer respirar um ar puro na praça e se deparar com barreiras físicas ou experienciar uma situação de discriminação. O autocuidado torna-se limitado quando não há condições de acessibilidade para vivenciá-lo. O autocuidado não deve ser um privilégio de alguns, mas uma forma de fortalecimento interno para vivência coletiva em um mundo sem barreiras.

Agora, vamos pensar diferente... imagine uma pessoa com cadeira de rodas deseja ter um momento de lazer e vai à praia. Quando chega lá, ela encontra rampas e espaços adaptados para pessoas com deficiência física, podendo assim desfrutar de um dia de sol, tranquilamente. Imagine uma pessoa cega encontra a opção de “audiodescrição” em um filme que ela queria tanto assistir. Imagine uma pessoa surda se surpreende ao contar com a presença de intérprete de língua de sinais no palco no show de sua banda preferida... Seria maravilhoso, certo?

Quando celebramos, em 5 de dezembro, o Dia Nacional da Acessibilidade, reconhecemos a luta por um mundo assim: acessível para todos/as! Um mundo em que a acessibilidade exista, sem ser uma meta distante a ser alcançada.

Quando falamos de acessibilidade, não estamos falando de um favor, de uma gentileza ou de um projeto particular para um grupo minoritário. Estamos falando de um direito civil. Um direito conquistado no Brasil há mais de 20 anos, mas que ainda é pouco aplicado e desconhecido pela maioria de nós. A acessibilidade não se resume a rampas ou banheiros adaptados. A acessibilidade inicia-se no imaginário de quem reconhece nos espaços sociais a diversidade humana e, a partir disso, projeta casas, escolas, restaurantes, cinemas, hospitais...

Uma sociedade acessível é um lugar em constante transformação com intuito de eliminar as múltiplas barreiras que impedem o direito de ir e vir, de se comunicar, de se informar, de estar presente e de interagir com o ambiente e os demais. A acessibilidade, em seu sentido pleno, é o que permite que o autocuidado seja uma ação possível no dia a dia. É o que permite que uma pessoa em uma cadeira de rodas possa ir ao cinema com os amigos ou à cabelereira. É o que permite que uma pessoa surda possa entender a consulta médica por meio da mediação de um intérprete de Libras. É o que permite que uma pessoa com deficiência intelectual possa compreender as instruções de um medicamento com uma linguagem clara. No fim das contas, a acessibilidade é um profundo ato de cuidado coletivo. É a compreensão de que uma sociedade só é inclusiva e democrática quando todos têm dignidade e seus direitos garantidos. Ao lutar por um mundo mais acessível, não estamos apenas ajudando o outro, estamos cuidando da nossa própria humanidade.


Profa. Dra. Jackeline Susann Souza da Silva é pesquisadora com foco em relações de gênero e acessibilidade para pessoas com deficiência.

jackelinesusann@gmail.com