Então, é ou não é Natal?
O ritual de nascimento da luz no solstício de inverno, antes da Era Cristã, se transformou em Natal cristão e alcançou a nossa Era do Cansaço e do modelo de existência pós-humano. Apesar do estresse crônico e compulsivo, ainda se precisa parar para celebrar o Natal e a passagem do calendário de um ano velho para um Ano Novo.
May Guimarães Ferreira
O ritual de nascimento da luz no solstício de inverno, antes da Era Cristã, se transformou em Natal cristão e alcançou a nossa Era do Cansaço e do modelo de existência pós-humano. Apesar do estresse crônico e compulsivo, ainda se precisa parar para celebrar o Natal e a passagem do calendário de um ano velho para um Ano Novo.
Eu fiquei observando as mudanças nas vitrines e nas lojas quando começou a chegar o tempo de Natal. O exagero em número de árvores de plástico, bolas, luzes, bonecos, bonecas, faixas, laços e outros adereços chamados natalinos cansa a vista e polui os logradouros e o meio ambiente. Aliás, no ano de 2025, que é o da COP30, realizada em Belém do Pará, é preciso pensar em transformá-lo em inteiro-ambiente, pois a metade do planeta já está degradada. Estamos quase alcançando o ponto de irreversibilidade do aquecimento global que causará a perda da Amazônia, do Cerrado, do Pantanal e da Mata Atlântica. Em Belém do Pará haverá, nesse fim de ano, o clamor de povos ancestrais, quilombolas, minorias, mulheres e de pobres de todos os estados pela cessação dos mecanismos e processos de destruição da vida com aquecimento global e mudanças climáticas. Enquanto, no documento final da COP30, preconiza-se a necessidade de plantar mais árvores, onde foram destruídas no solo degradado, o comércio se esbalda em produzir adereços plásticos para que as residências demonstrem os sinais exteriores de riqueza no final de 2025.
O apelo natalino é para a simplicidade, para a infância saudável e protegida e para o respeito às diferenças e aos excluídos da fruição de bens socialmente produzidos e acumulados por poucos ricos. Se pensarmos o Natal, dentro da tradição cristã, como o nascimento de uma criança salvífica, nada mais contraditório do que a adultização precoce e a transformação dos rituais de comunhão de vida e amor em gastança pródiga.
A mensagem cristã diz que felizes serão as crianças e os construtores da justiça e da paz. Essa não é a ideia dominante na sociedade que vivemos. No presépio nasceu um menino e , reciprocamente, uma mãe. As mães são guardiães da vida e da transmissão da cultura, da língua e da memória. O pai, na narrativa da família “sagrada” de Nazaré, não era o pai biológico verdadeiro, mas foi o pai de verdade que cuidou, educou, protegeu e defendeu. Naquela manjedoura não há lugar para grifes, design assinado ou hologramas da sociedade digital e virtual. Impossível comprar a esperança, a fé, a alegria, a empatia e a compaixão para enrolar de papel de presente e trocar na noite do dia 24 de dezembro, como se faz frequentemente.
Essa necessidade coletiva de transformação de coisas difíceis em simples é um trabalho de grande porte como afirma Clarice Lispector no livro Hora da Estrela: “Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”.
Nesse sentido, o minimalismo como estilo de vida pode ajudar a reduzir o acumulo de coisas inúteis e o consumo desnecessário. Essa tendência pode ajudar a recuperar a noção do que realmente é essencial na vida e naquilo que faz o bem-estar no tempo e pode promover uma vida significativa a partir de vivências criativas. A negação da vida simples e do poder pessoal da criatividade contraria a natureza essencial da vida humana e da sobrevivência no planeta Terra.
Desejo feliz e simples Natal a todos os leitores do JORNALZEN!
Profa. Dra. May Guimarães Ferreira é psicóloga, psicanalista e arteterapeuta
